No mito, a Sabedoria e a Justiça, personificadas pela deusa grega Athena, é fruto de Métis (a astúcia, a inteligência) com o poderoso Zeus.
Após ter sido proferido pelo oráculo que se tivesse uma filha, ela se tornaria ainda mais poderosa que ele, Zeus tratou de engolir Métis para impedir o nascimento. Findado o período de gestação, o supremo deus começou a sentir terríveis dores de cabeça (enquanto a Justiça não nasce, elas são inevitáveis). Desesperado e no limite, Zeus ordena ao ferreiro divino Hefestos (Vulcano) que lhe abra a cabeça. Mesmo a contragosto, com técnica e precisão, desferra-lhe o machado de ouro certeiro e todos se surpreendem ao verem surgir, imponente e armada, a deusa Palas Athena.
Athena é gerada na cabeça do soberano do Olimpo, por isso é associada ao lógos, à ratio.
O epíteto "Palas" significa "a donzela", pois a poderosa filha pede ao pai para manter-se sempre virgem e, desta forma, impor-se com a autoridade de quem não se deixa seduzir ou corromper.
A Espada de Athena é arma para fazer valer a Justiça. Com a espada de ouro em punho ou lança resplandecente (numa imagem mais arcaica), que fora presente do deus da techné Hefestos, a deusa está sempre pronta para a guerra.
Athena é patrona da guerra sim, mas do combate feito com inteligência e astúcia, motivado por um ideal honroso e, somente enquanto último recurso, quando se torna insuficiente a lúcida resolução diplomática e pacífica do prenúncio de uma polêmica.
As aves, por serem considerados os seres mais próximos dos céus, foram, conforme suas características e atribuições, associadas aos deuses. A águia, para zeus; o pavão, de sua consorte, a deusa Hera. A ave símbolo de Athena é a coruja.
Vemos a imagem da coruja, símbolo de uma vigilância constantemente alerta, impressa nas mais antigas moedas atenienses, as dracmas. A coruja, em grego gláuks “brilhante, cintilante”, enxerga nas trevas, e um dos epítetos de Athena é “a de olhos gláucos” (esverdeados).
Em latim é Noctua, “ave da noite”. Noturna, relacionada com a lua, a coruja incorpora o oposto solar. Observem que Atena é irmã de Apollo (Sol). É símbolo da reflexão, do conhecimento racional, mas aliado ao intuitivo que permite dominar as trevas, inteligir o obscuro. Apesar de haver uma forte associação desta ave à escuridão e a sentimentos tenebrosos, o que é natural a um ser noturno, o fato de ela ter sido (devido a suas específicas características) atribuída à deusa Athena também a tornou símbolo do conhecimento e da sabedoria para muitos povos.
A coruja é uma excelente conhecedora dos segredos da noite. Enquanto os homens dormem, ela fica acordada, de olhos arregalados, banhada pelos raios da inspiradora Lua. Vigiando os cemitérios ou atenta aos cochichos no breu, essa ambaixadora das trevas sabe tudo o que se passa, tendo-se tornado em muitas culturas uma profunda e poderosa conhecedora do oculto.
Havia uma antiga tradição segundo a qual quem como carne de coruja participa de seus poderes divinatórios, de seus dons de previsão e presciência. Esta ave tornou-se assim atributo tradicional dos mânteis, daqueles que praticam a mântica, a arte do divinatio, da adivinhação, simbolizando o dom da clarividência.
Eis a ave apropriada à deusa da Sabedoria e da Justiça: atenta coruja, cujo pescoço gira 360°, possuidora de olhos luminosos que, como Zeus, enxerga “o todo”.
Athena carrega ainda, no peitoral de sua armadura (égide feita com pele de cabra), a cabeça de Medusa, rainha das Górgonas.
As Górgonas são três irmãs (Medusa, a dominadora; Euríale, a errante e Esteno, a violenta) que simbolizam os inimigos interiores que temos de evitar. São deformações monstruosas da psique (psyché, alma) nascidas do desvirtuar de três pulsões humanas: sociabilidade (Esteno), sexualidade (Euríale) e espiritualidade (Medusa). Como a perversão espiritual prevalece sobre as demais, Medusa impera.
A perversão da pulsão espiritual, por excelência, é a vaidade (imaginação exaltada em relação a si mesma) que é simbolizada pela serpente, por isso, inúmeras coroam sua cabeça.
No frontispício do templo de Apollo (irmão de Athena), deus da harmonia, lêem-se as palavras que resumem toda a verdade oculta dos mitos: “conhece-te a ti mesmo”. A única condição do conhecimento de si mesmo é a confissão das intenções ocultas, que, por serem culpáveis, são habitualmente maquiadas pela vaidade (por uma justiça falsa, pois sem mérito, infundada).
A inscrição reveladora significa, portanto: desmascara tua falsa razão, ou, o que dá no mesmo, aniquila tua vaidade. Faz-se necessário a clarividência em relação a si mesmo, o inverso do ofuscamento vaidoso e petrificante.
Ver Medusa significa reconhecer a vaidade culposa, perceber a nu suas falsas razões, suas intenções ocultas, o que ninguém consegue confessar a si mesmo, da qual ninguém suporta a visão.
A cabeça da rainha das Górgonas foi presente do herói Perseu, a quem Athena muniu com seu escudo. Ao refletir a imagem verídica das coisas e dos seres, o escudo reluzente permite conhecer a si mesmo: é o espelho da verdade. Neste escudo, o homem se vê tal como é, e não como gosta de imaginar ser.
Athena é a deusa da combatividade espiritual (as três manifestações da elevação espiritual são a verdade, a beleza e a bondade). A sapiência, o amor pela verdade é a condição para ascender ao conhecimento de si e, em conseqüência, para adentrar na harmonia (Apollo).
Para derrotar a Medusa, foi necessário que o herói a surpreendesse enquanto dormia, pois o homem somente é lúcido e apto ao combate espiritual quando a exaltação de sua vaidade não está desperta. Arma muito cobiçada, mesmo morta, a cabeça da Medusa continuou mantendo seu poder de petrificar quem a encarasse.
Contra a culpabilidade advinda da exaltação vaidosa dos desejos, não há senão um único meio de salvaguarda: realizar a justa medida, a harmonia (sophrosyne).
A deusa, símbolo da combatividade que inspira o amor à verdade, convida os mortais a reconhecerem-se em Medusa, incitando-os à luta contra a mentira essencial, a mentira subconscientemente desejada, o recalcamento, as falsas razões.
Antes de fazer jus, merecer o apoio de Athena, todo mortal deve encarar o símbolo da decadência espiritual (a vaidade). Somente assim têm-se certeza de que sua reivindicação não oculta outra intenção, ou seja, não é capricho, teimosia. Ante a imagem da Medusa, quem busca a deusa clamando por justiça tem somente duas possibilidades: contar com sua proteção (vitória certa, pois é sempre acompanhada por Niké) ou imobilizar-se no pânico, num desespero paralisante.